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Melancolia

Se olho para mim apenas atuando, de modo nada importante,
sou eu tão especial a me comover da certeza de meu protagonismo?
Seria tudo essa epopeia encenada, para o eu? Faço a distinção: dor ou opressão.

Atualizo-me logo ao ver, pela vida, pessoas protagonistas: cegos, famintos, sem teto, sem família, viciados, loucos... até que ponto?
O que reza minha vida em atuar diferente de quem sofre?
Ou se já se deteve ao acostumar-se com a dor de não ver, não andar, ser um coxo?

A justiça que me fala em me favorecer: tenho família, estou alimentado, tenho onde dormir.
Seria a sátira do descaso, o desistir tão apreciado por uma paixão que me dilacera o coração?
Estou atuando, logo eu, sofrendo de horrores e amores.
Tomo um sorvete como um doce, e minha atuação tão cética, tão molesta, me passa a dor que me comove no simples atuar.

O mundo é de papel, as cores de mel, e o céu é tão azul no decorrer da angústia de levantar-se.
E no desenrolar da coloração do anoitecer, aquele tardar laranja e vermelho que me traz tanta nostalgia e melancolia.

Vale mesmo a pena viver?
É tudo uma angústia que escrevo, é tudo um papel que atuo.
Que melancolia vergonhosa tem minha face.

Se a atuação da minha vida for um papel onde eu mesmo escrevo minha história,
reescreverei ainda memórias, reescreverei ainda manifestos.
E se eu quiser morrer, é porque atuar e escrever o roteiro são duas coisas importantes.

Se escrevo minha morte, não sou eu o algoz.
Então escrevo uma história de super-herói, de alguém que me salva.
E quem tem o superpoder?
Sim, aquele que aprova ou desaprova minha história,
minha livre vontade em escolher.

Melancolia, procrastinação melancólica... por quais motivos se demonstra?
Eu, na vontade de ser, se o propósito é o terror aos meus olhos, se assim o for,
porque a vida me esconde isso?
Seria prática criminosa, meu passado, ou pura ilusão de um ser ainda acordando para a vida?

Atuar o livre papel não me dói no sentimento, se não me dói no que me fere no roteiro da vida, no roteiro de Deus.
Me dói estar emocionado, mas isso logo passa.
E como o dia cobrando o preço, reclino a cabeça e durmo.
O que vejo me desperta outra vez: para talvez pagar o mesmo preço, ou para apenas esperar a tempestade passar.

Assim, das angústias da vida sofrida, me soa como o clima:
chove sobre mim a tempestade, o mau tempo.
A luz cai e logo é uma tempestade no escuro; trovões soam alto e, como um susto, iluminam os céus.

Do medo, do terror da noite, do vendaval, da destruição,
durmo aflito. É como sofrer um naufrágio e acordar em uma ilha paradisíaca,
no dia da calma, no dia em que o céu está em paz.